POR LUDMILA VILAR E JULIO CALDEIRA
A Fazenda São Luiz da Boa Sorte, em Vassouras (RJ), é um dos hotéis certificados pelo SeloXIS e um bom exemplo de ESG no turismo pelas práticas de sustentabilidade implementadas no território do Vale do Café. Parte dessas ações não aparece de forma imediata aos hóspedes — como o Projeto Mata D’Água, dedicado ao reflorestamento e à recuperação de nascentes. Outras são facilmente percebidas na preservação da memória, da arquitetura colonial e do patrimônio cultural que permanece vivo no casario histórico.
A fazenda integra um circuito formado por propriedades distribuídas em cidades como Valença, Rio das Flores, Barra do Piraí, Piraí, Mendes e Paty do Alferes, região que no século 19 chegou a produzir 75% do café consumido no mundo. A São Luiz da Boa Sorte se tornou referência por integrar preservação histórica, conservação ambiental e ações sociais.
O trabalho é fortalecido pelo Instituto Preservale, presidido pelo proprietário da fazenda, Nestor Martins Rocha, que articula iniciativas regionais de proteção do patrimônio e desenvolvimento do turismo sustentável. A partir dessa parceria, a fazenda mostra como práticas alinhadas ao ESG podem gerar impacto positivo em um território marcado pela memória da escravidão e por um dos ciclos econômicos mais importantes do país.

Vale do Café: origem, auge e transformações de um território histórico
Durante o século 19, o Brasil garantiu a liderança no comércio dessa que é a segunda bebida mais consumida do mundo (perde só para a água).O dinheiro do café financiou a construção de ferrovias e a implementação de energia elétrica no Sudeste. Como consequência, a industrialização foi acelerada e o país projetou-se para um futuro onde outras nações já estavam. Mas, como é bem comum acontecer com ciclos de abundância econômica ancorados em uma única commodity, o do café também passou por provações marcadas por mudanças profundas no panorama social, político e natural.
Uma delas foi a proibição do trabalho feito por pessoas escravizadas, em 1888. O Vale do Café nasceu e enriqueceu às custas da violência cometida contra a população negra e, sem esse trabalho forçado e gratuito, os fazendeiros não conseguiram manter a saúde financeira do negócio. Outro ponto foi a deterioração do solo, prejudicado pela monocultura contínua e pelas mudanças no microclima da região, causadas pelo desmatamento da Mata Atlântica.
Tudo isso reduziu a produtividade das lavouras. Assim, pouco a pouco São Paulo foi despontando como nova potência do café. As plantações migraram para os solos ainda saudáveis do estado vizinho. Ainda se beneficiaram da proximidade com ferrovias e com o Porto de Santos, duas grandes vantagens para o escoamento da produção.

ESG no turismo inclui regeneração, memória e governança
As lavouras do café patrocinaram a implementação da infraestrutura necessária para a industrialização, mas a região também ficou marcada pela decadência de uma sociedade escravocrata e que promoveu a derrubada maciça da Mata Atlântica para o plantio do fruto. Hoje, o legado cultural se mantém vivo com o apoio de fazendas, que também promovem iniciativas de recuperação ambiental.
A Fazenda São Luiz da Boa Sorte mantém dois equipamentos culturais abertos ao público: o Museu do Café e o Memorial do Negro. O museu apresenta objetos, documentos e painéis que explicam a formação econômica da região. O Memorial do Negro recupera nomes e histórias das pessoas escravizadas que viveram e trabalharam ali — cerca de 383 no auge da produção.
A manutenção desses espaços cumpre um papel social importante ao reconhecer a memória local e oferecer ao visitante uma experiência educativa sobre esse passado. O Instituto Preservale é responsável por organizar esse trabalho. Desde 1994, coordena ações regionais de preservação, forma mediadores, digitaliza acervos, produz inventários e articula parcerias com universidades e órgãos de patrimônio. O instituto cria regras, processos e parcerias que reforçam o pilar de governança e conectam a fazenda ao território de forma estruturada.

Práticas ambientais fortalecem o ESG no turismo
Além do patrimônio material, há um cuidado com a paisagem rural. Trilhas, áreas verdes e antigas estruturas produtivas são preservadas e usadas para educação ambiental e atividades ao ar livre. Essa gestão contribui para a conservação do entorno e para a manutenção dos serviços ecossistêmicos (benefícios oferecidos pela natureza para a manutenção da vida humana e da economia) que beneficiam região.
O Projeto Mata D’Água de Reflorestamento e Recuperação de Nascentes, realizado com o apoio da São Luiz da Boa Sorte, se fundamenta no conceito de agrofloresta proposto por Ernst Gotsch, conhecido como agricultura sintrópica. O trabalho teve início com o plantio de mil mudas de pau-brasil, árvore símbolo do país, em um gesto de resgate histórico ligado à antiga paisagem do Vale. O objetivo atual é recuperar a Mata Atlântica, que um dia cobriu toda a região. A partir desse propósito, o projeto avança pelos caminhos que levam às nascentes, reconhecendo a água como elemento essencial ao desenvolvimento e cuja presença precisa ser revelada novamente.
O Mata D’Água reúne conhecimento acadêmicos e prático, incorporando o conhecimento de professores e estudantes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A Fazenda integra, assim, o circuito de propriedades que voltaram a ocupar o território com práticas de menor impacto, turismo de experiência e, em alguns casos, produção agrícola em pequena escala, como cafés especiais e agroecologia.

Um circuito histórico com mais de 100 fazendas
O Vale do Café reúne mais de uma centena de fazendas catalogadas pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) e pelo Instituto Cultural Cidade Viva. Muitas foram restauradas e hoje abrigam hotéis, roteiros educativos, iniciativas culturais ou produções agrícolas em escala reduzida e muitas vezes com produção diversificada. A presença de estruturas como o Museu do Café e o Memorial do Negro fortalece um circuito capaz de valorizar a história.
O modelo adotado no Vale do Café — e estruturado na Fazenda São Luiz da Boa Sorte — ajuda a mostrar na prática como o turismo pode apoiar a preservação ambiental e cultural, gerando renda para a população que trabalha para receber turistas atraídos por imenso legado. A experiência do visitante passa por entender a paisagem, a arquitetura, o ciclo do café e o legado das pessoas escravizadas que moldaram esse território.
Ao restaurar casarões, manter museus, proteger áreas naturais e promover atividades de baixo impacto, o destino conserva sua história e fortalece a economia local. Esse arranjo também contribui para enfrentar mudanças climáticas: áreas verdes preservadas regulam temperatura e água; a valorização do patrimônio reduz o risco de abandono e degradação; e o turismo responsável cria uma cadeia produtiva de menor impacto e maior inclusão. Assim, cria-se um círculo virtuoso que equilibra os pilares ambiental (E), social (S) e de governança (G).
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Serviço
Para visitar o Vale do Café
Turismo RJ – Secretaria de Estado de Turismo do Rio de Janeiro
Portal Oficial do Vale do Café
Fazenda São Luís da Boa Sorte – Site Institucional
Visite Vassouras – Portal Turístico Oficial
VEJA Rio – “Vale do Café: um fim de semana entre fazendas, sabores e história”
Turismo RJ – Reportagem: ‘Vale do Café celebra o Dia Mundial do Café’
O Viajante – “4 fazendas históricas para visitar no Vale do Café”
Para saber mais
Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense – Instituto Cultural Cidade Viva / INEPAC
“Fazendas do Vale do Café (RJ) são inventariadas” – reportagem da revista/panrotas/Portal de Turismo
“Do campo à xícara, produção especial impulsiona o Vale do Café” – reportagem no Portal Turismo / governo do RJ
Site oficial do Instituto Preservale
“Vale do Café celebra o Dia Mundial do Café com riqueza histórica, sustentabilidade e sabor” – reportagem Setur-RJ / Portal Turismo